quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Existe (Existe?)

Livre de assombros, permaneço nesta ignorância constante de não saber o que se passa. Não sei o que se passa. Não entendo, não assimilo. Ou são eles que não me lêem? Os dias por vezes demoram a passar, outras vezes vejo-lhes o fim mal me levanto da cama. Ultimamente já não doem tanto, já não os sinto, passam ao lado e por dentro, mas já não doem. Não sei se pior é não sentir , se pior é doer. Deixo-me adormecer por aquele cheiro das pinhas a estalar, deixo-me ficar em permanência no esquecimento e de repente deixo de esquecer e tudo volta à rotina. Não sei se a felicidade vem em nome da lembrança ou do esquecimento, ainda não consegui captar. Porque é que na minha cabeça o que parece fácil se torna difícil? Aprendi a bloquear, e tenho conseguido, ele ensinou-me. Tenho feito um esforço para filtrar o que fica, para coar o dispensável, senão acumulo vazio e fico sem ar. Mas senão deixa de existir, de que serve?

Amo-te Lisboa

Mariana, 25 anos, 1.65m, cabelos longos, olhos castanhos. Não gosta de mentiras, não gosta de gatos, não gosta de palhaços, não gosta do cheiro do perfume a desaparecer, não gosta que os lençóis lhe marquem as bochechas de manhã, não gosta de monotonia, não gosta de aparências, não gosta de esperar, não gosta da solidão.
...
Quando me davas a mão e eu sentia o calor dos teus dedos nos meus, o mundo era meu. Os pássaros cantavam naquela manhã e eu despertava os sentidos. Contemplávamos o horizonte e deixávamos o vento bater-nos na cara e víamos: Lisboa.
O tempo passava e eu sorria por dentro.
Deixávamos de ouvir as vozes das pessoas, o empregado de mesa carregado com copos, pratos, chávenas e só havias tu. Os nossos olhares cruzavam-se e prendiam-se a sete chaves, e tu lias todos os meus sonhos, todos meus anseios e bebíamos o café bem quente, tu saboreavas-me e sentias o néon de um cigarro.
O desejo ardia dentro de nós, tocavas-me e eu sentia como se fosse a primeira vez, inexperiência, descoberta ainda por descobrir, prazer inigualável.
O tempo passava e eu sorria por dentro.
O rio era azul, tu eras vermelho, eu era amarelo; o rio era frio, tu eras doce e eu era quente, as peças do puzzle que estavam soltas encaixavam, a paisagem ficava completa e tu pertencias-me. Ouvia-se uma zanga permanente entre as fracas ondas e o forte paredão, numa guerra destemida, audaciosa. Os barcos passavam e a ponte continuava ali, sobre o Tejo, e tu continuavas aqui, no meu coração.
E quando andávamos de eléctrico? Uma viagem tão natural como uma árvore, um amor tão belo como uma borboleta. Um sopro tão forte como uma queda, um declínio para os teus braços, para as tuas mãos que docemente se envolviam nas minhas.
Deixavas-me tonta, tola de mim mesma, quando andávamos às voltas, vezes sem conta, a girar e a girar sobre a infância perdida, sobre a gargalhada de criança que davas na minha cara, dentro daqueles teimosos carrosséis que não queriam parar. Derretias-me como o algodão doce se fazia derreter na minha boca e ardia na garganta de tão doce que era.
Do alto da varanda víamos as casas, as paredes riscadas, os candeeiros presos ao palácio, os brilhantes ao fundo da rua, quando o sol incidia sobre o rio, as estrelas formadas pelos quadrados da calçada portuguesa.
O tempo passava e eu sorria por dentro.
Caminhávamos como vadios dentro das ruas, dentro das praças, dentro das nossas vidas, escalávamos por uma só, construindo o que amanhã já não será igual.
Dormimos juntos, sonhamos juntos, um pouco longe, depois mais perto e mais perto ainda.
Tudo passa, tudo anda, numa agitação tão perturbante, tudo fica nas montras e nós continuamos nesta rota, seguindo o rumo para o tesouro perdido.
Fazias-me dançar dentro da tua música, fazias-me voar dentro dos teus ritmos, das tuas sonoridades, dentro dos teus graves e agudos.
O tempo passava e eu sorria por dentro…

Foi naquela tarde que a conheci, lidei com ela de perto; de bem perto. A solidão chegou para ficar.
Reparei que o elevador de Santa Justa era composto por sete andares, por três varandas, coisas que não via antes. Reparei nas espirais de ferro que estão no topo perto dos corrimões, reparei na grandiosidade que tinha sobre os meus olhos e pensei, tu deixaste-me e agora tenho por baixo de mim o chão que pisas.
O tempo passava e eu chorava por dentro.
A grande cidade parada no café, e eu ali, novamente, pedia o meu abatanado habitual naquele oásis de inutilidades ruidosas, e deixava o fumo do café quente embaciar a lente dos óculos escuros que ainda não ousara tirar, os olhos ardiam ao sol de tão magoados que estavam, de tão cansados de chorar que estavam.
Como todos os meus sentidos têm vício de ti, gritava de perda, fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia á alma.
O tempo passava e eu chorava por dentro.
O rio continuava azul, mas eu era preto, preto, preto; agora aquelas águas já não me deixavam banhar da forma que eu queria. No entanto a ponte ainda ali estava, mas tu abandonaste o meu coração.
Quem me dera exprimir-me como um motor se exprime. Suar como suam as engrenagens sobre os caminhos-de-ferro na estrada. Continuar amarelo como é o eléctrico, encandear a vida, ser o sol. Agora as viagens eram feitas sozinha, restava apenas eu a Lisboa.
Aquele vácuo dentro das carruagens, suspensas por um fio, de onde se vê o mundo do alto, de onde se ouve a música de feira raspar ao de leve, ao de longe nos meus ouvidos, tão longe, tão alto, tão alto e é tudo tão pequenino, agora sem ti. O Algodão ganhou um novo sabor, agre e doce, mas ainda continuava cor-de-rosa e branco!
Respirava fundo, ouvia os carros, ouvia as pessoas a falar, a rir, a gritar, a discutir e pensava como é a vida, sujeita a drásticas mudanças, onde uns choram, outros sorriem, onde uns vivem outros morrem…. E ali eu senti-me incrivelmente viva, por saber que o tive, mas que o deixei de ter, precisamente porque a vida tem destas coisas. Afinal estar só não era assim tão mau…
O tempo passava e eu chorava por dentro.
Aprendi a construir novamente uma vida, desta vez sem ti, e a caminhar pelos sítios por estivemos propositadamente, para perceber que a vida continuava. Tal como se este fosse um desafio a enfrentar, uma barreira a ultrapassar. Mas desta sozinha.
Tentava dormir, mas era difícil, por poucas horas voltavas a nossa casa e chorava quando abria os olhos, porque sabia que não passava de um sonho.
A agitação move-se, as pessoas continuam de um lado para o outro, as ruas continuam cheias.
Desta vez já não era a bailarina, passava simplesmente a ser o espectador da tua música, que a saboreia mas de forma muito diferente, de bem mais longe.
O tempo passava e eu chorava por dentro.

Mariana, 25 anos, 1.65m, cabelos longos, olhos castanhos. Gosta de cerejas, gosta de berlindes, gosta de esvaziar a caixa de recordações e enche-la novamente, gosta que lhe abracem de vez em quando, gosta de guarda-chuvas, gosta de máquinas fotográficas, gosta de sorrir de olhos fechados. Gosta de Lisboa!
[Este foi o guião que escrevi para uma curta metragem que fiz e que tenciono publicar no blog (: I hope you enjoy it]

Relógio que não pára

As pessoas estão demasiado mecanizadas para olharem para a penumbra. Deslocam-se, abrem a boca para falar, para comer, para bocejar. E dormem. Num sono tão profundo que é incapaz de olhar ao suposto inconsciente que se pode considerar inconcebível para alguns, mas que, para outros, se encontra como o único alcance para a razão de viver. Nem todos percebem… Nem todos conseguem fazer parar o relógio, tal como tempo da ampulheta que ás vezes não merece correr, porque há sempre uma pedra maior que o faz parar durante uns segundos. 1 segundo, 2 segundos, 3 segundos… e as pessoas assim continuam como se tivessem uma pedra no lugar do coração, uma máquina no lugar do cérebro, como se as entranhas (supostamente humanas) deixassem de permanecer deixando-se apodrecer pela ferrugem do tempo. Todo o mundo acorda ás 7 da manhã, move-se sobre as rodas, sobre o fumo dos carros, sobre as discussões entre os pais, os choros das crianças, as gargalhadas que troçam dos outros, que adoram sentir o poder do sadismo. O mundo assim se move e o meu teima em parar, ou retroceder, porque giro ao contrário de todos… o meu relógio funciona ao contrário, a minha felicidade não gira em torno da angústia dos outros, sinto-me paralisada no canto do quarto escuro que me prende com correntes e me faz observar que tudo, tudo, é pré-fabricado, que as pessoas são iguais, que o futuro está programado e que eu continuarei aqui presa, a sentir-me sempre diferente de tudo e todos, sem defesas para além dos meus pensamentos. Observar… é a única missão que prevejo de facto… o meu mundo é oposto… porque aqui as pessoas comem-se umas ás outras, espezinham-se sobre capitalismo que quer imperar estas vidas. Tudo se consome: o sexo, o dinheiro, o ódio, a dor… deste lado o tempo não pára! Tick tack tick tack… o relógio continua… mas o meu continua parado.